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  • Foto do escritorLúcia Lemos

Ilustrando uma arma: reflexão

Ok... essa conversa será um pouco diferente.

Esse trabalho foi um infográfico novamente para a faculdade. Foi meu melhor trabalho até hoje, tanto em design quanto ilustração, e levou nota máxima.



O tema era Armas da Segunda Guerra Mundial. Logo, cada um tinha que escolher uma arma. Eu havia decidido já pelos foguetes V2, umas das armas utilizadas pelos nazistas e cuja tecnologia foi predecessora dos foguetes espaciais. A questão é que, no dia da apresentação desse tema, nosso professor chamou toda a turma para uma conversa séria. Ele queria que refletíssemos sobre ética, em nosso próprio ramo. 

Vocês já pararam para pensar sobre o quanto temos poder de persuasão? Designers devem, basicamente, tornar um produto bonito e atraente para vender. Somos ensinados como enganar a mente humana, como o cérebro e a visão funcionam sob determinados estímulos, aprendemos sobre como podemos abalar o emocional de alguém.

Um escritor não é muito diferente. Quando se escreve, não se tem muito controle sobre a interpretação do leitor, mas existem formas de escrita e estruturas que podem guiar o leitor a "sentir determinadas sensações". A jornada do herói é basicamente uma narrativa de vida, não é à toa que é uma estrutura que sempre funciona, principalmente no cinema.

Mas quando se é designer (vejam bem, é a faculdade que faço, mesmo me considerando mais ilustradora que designer) você tem que tornar as coisas interessantes. Cores, formas, cheiros... Você acaba transformando histórias e discursos em produtos. Coisas que podem fazer mal em coisas boas. Logo, quando esse tema nos foi proposto, nos foi colocada uma dúvida: aqueles fascículos com armas, brinquedos de guerras para crianças... elas sabem o quanto aquelas armas mataram? Os traumas que deixaram? As pessoas fazem realmente ideia do que foram as grandes guerras, o que um tanque era capaz de fazer, as vidas perdidas?

Nem sempre. Ter uma arte legal, uma arma pra montar, legal de brincar, com uma matéria cheia de ilustrações coloridas sobre o quanto aquilo era maneiro.

Só que não.

Isso foi um baque para gente. Sempre que fazemos um trabalho queremos que seja algo bem feito e sabemos meios para isso. E aí nem sempre nos atemos ao lado sério da coisa.

Foi estranho fazer essa ilustração. Foi estranho estudar sobre essa arma, o que ela fez, as vítimas que fez. Um superinfográfico sobre uma das armas mais traiçoeiras da segunda guerra mundial - eu não deveria fazer algo bonito ou vendável. Cerca de 25 mil escravos judeus morreram para construí-la. Onde estava então, a linha tênue entre uma ótima ilustração e um bom informativo?

Um colega meu fez sobre o Enola Gay, nome do avião bombardeiro que também soltou a bomba de Hiroshima. Existem brinquedos desse avião. Alguém desenhou eles para crianças, assim como armas, mini metralhadoras... entendem o quanto isso é bizarro?

Sei que a leitura humana ocidental se dá da esquerda para direita, que o olho traça quase uma diagonal de cima para baixo. No caso de um infográfico, a informação deve circular pela página, para que o leitor tenha várias informações não necessariamente hierarquizadas para ler. Mas fiz questão de usar essa linha "imaginária", traçando do nome do V2 até a informação mais triste sobre ele: sobre quantas mortes ele causou. Sobre o trauma que deixou naqueles poucos sobreviventes. A última informação, mas não menos importante. Que por mais que essa tecnologia tenha sido importante, que só por causa tenhamos condições de ir ao espaço, houve um preço muito alto a ser pago.

É um desabafo longo, mas foi um choque particular. Pois quando você desenha ou escreve, meio que você ganha um poder, um poder em relação ao outro.

Não sei se algum de vocês já leu Fushigi Yuugi, mas um dos principais desabafos da autora em um de seus free talks foi sobre uma carta que recebeu, onde uma leitora disse que as palavras de uma de suas personagens a impediu de se matar. Recentemente, uma menina desabafou comigo que entendia o que Kurikara sentia, ou seja, ela também tinha depressão. Criei um personagem com o qual pessoas realmente se identificaram, e me dei conta de que aquilo era sério. "Não é uma brincadeira, não é uma aventura", como o próprio já disse uma vez.

Vocês têm noção do poder disso?

Esse foi um longo desabafo. Esse livro também estava previsto como mini-blog, então, peço que me perdoem e deixo aqui essa reflexão longa e confusa que atira para todos os lados. Sei que, como designer e ilustradora, esse exercício me abalou muito. Como escritora, já tinha um certo receio quanto ao que escrevia (culpa da minha insegurança -.-), mas esse 2016, de altos e baixos e que chegou na metade só agora, me proporcionou choques de realidade muito intensos. Seja sobre os problemas de saúde que enfrentei, as surpresas com Aika, e agora, com o fim de mais um período da faculdade onde tive que por à prova questões de ética.

É estranho passar por isso – e pensar sobre tanta coisa.

Até o próximo desenho.

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